Passados cinco dias, não houve significativa mudança de sentimentos no torcedor do Everton. No último sábado, o time foi atropelado em casa pelo Manchester United, mas isso pouco importa. Horas antes da partida, o clube já havia sido derrotado com o falecimento de Howard Kendall. Um nome que não só faz parte, mas define o que é o Everton.
Howard chegou ao clube em 1967, vindo do Preston North End, onde se tornou o jogador mais jovem a atuar em uma final da Copa da Inglaterra (West Ham v Preston, 1964), com 17 anos e 345 dias. O então defensor virou meio-campista com Harry Catterick e não demorou a escrever seu nome na história do clube de Merseyside: em seu primeiro derby, fez o gol da vitória; foi finalista da FA Cup em 1968; venceu o título da liga na temporada 1969-70 e formou um meio-campo antológico com Alan Ball e Colin Harvey, a famosa Holy Trinity, ou Sagrada Trindade.
Kendall deixou o clube em 1974, após ser vendido para o Birmingham. Após passagens por Stoke e Blackburn, já como jogador-treinador, retornou ao clube onde fez sucesso na mesma dupla função, em 1981; atuou somente em quatro partidas antes de se tornar técnico "integral". E o início de sua nova jornada no Everton não foi fácil: vivendo uma péssima temporada, no final de 1983, a pressão da torcida era enorme sobre Phillip Carter (presidente do clube na época) e Howard, com pedidos de demissão do último cada vez mais notórios. As coisas mudaram quando o time começou a avançar na FA Cup, fazendo com que o rendimento no time na liga também melhorasse. Ao final da temporada, o Everton "prestes a cair" terminou na sétima colocação da liga, sagrou-se campeão da FA Cup após 14 anos de jejum de títulos e foi finalista da Copa da Liga, perdendo o título para o rival Liverpool - o melhor time da Europa na época - após um "replay". Começava então um novo período na história do técnico e do clube.
Um panfleto pedindo as saídas de Howard e Phillip Carter, em 1983 |
Andy Gray marca AQUELE gol na final da FA Cup de 1984, contra o Watford |
É necessário ressaltar o papel do rival nesta época. O Liverpool era uma máquina, literalmente: entre 1980 e 1984, só não venceu a liga na temporada 1980-81, temporada na qual venceu a Copa Europeia, assim como em 1983-84. Enquanto isso, os Toffees estavam em um período de vacas magras, com resultados medíocres e decepções após as glórias dos anos 60 e de 1970. Além de tudo isso, a cidade de Liverpool passava por um período de forte crise econômica, com alto índice de desemprego e êxodo populacional. Quando os dois clubes passaram a dividir o protagonismo do futebol inglês na época, também simbolizavam uma válvula de escape para o povo que representava; era o futebol quem trazia felicidade em um momento tão delicado na vida daquela comunidade.
Se em 1983-84 os Reds ainda eram soberanos em relação aos Blues, na temporada seguinte o Everton deu o troco, terminando a liga com 13 pontos de diferença em relação ao rival, sagrando-se campeão nacional pela oitava vez. Sob o comando de Kendall, o clube também venceu a Recopa Europeia, seu único título europeu, na temporada 1984-85, derrotando o Rapid Vienna em um jogo marcante em Rotterdam, após outro duelo inesquecível com o Bayern de Munique nas semi-finais. A "tríplice coroa" não veio por pouco, com o Manchester United nos derrotando na prorrogação da final da FA Cup. Ironicamente, esta não foi a maior derrota do Everton naquela temporada: após o incidente de Heysel, envolvendo torcedores de Liverpool e Juventus, os clubes ingleses foram banidos de competições europeias por cinco anos, o que impediu os Toffees de disputarem a Copa Europeia com reais pretensões de título.
Kendall e Gary Lineker segurando o troféu de melhor jogador da temporada, recebido por Lineker em 1986 |
Heysel foi uma grande decepção para Howard. Em 1985-86, novas frustrações: mesmo com Gary Lineker, substituto de Andy Gray marcando 40 gols na temporada, os Toffees perderam a liga e a FA Cup para o Liverpool. Em 1986-87, voltamos a vencer o "Inglesão", com 9 pontos de diferença para os Reds, porém, mesmo com mais um sucesso, a insatisfação de Kendall por não poder competir contra equipes de outros países se sobrepôs aos anos de glórias com o clube de coração. Assim, o técnico decidiu se transferir para o Athletic Bilbao em 1987.
Após a passagem pelo clube basco, Howard voltou à Inglaterra em 1989 para o Manchester City, onde teve bom desempenho em um curto período. Inevitavelmente retornou ao Everton em 1990: "O Manchester City foi só um caso, com o Everton é um casamento", ele disse. Nesta segunda passagem como treinador, ficou até 1993, sem os resultados expressivos de outrora. Retornou em 1997-98, com o clube já em crise, escapando do rebaixamento na última rodada; no ano seguinte, se aposentou após passagem ruim pelo futebol grego.
Howard Kendall e Roberto Martinez em 2013 |
As últimas passagens nunca fizeram diferença. Figura presente no Everton até o dia de sua morte, Howard Kendall foi quem mais seguiu o lema do clube à risca. Parte de duas das eras mais gloriosas do clube, em funções diferentes, responsável pelos últimos grandes momentos de um passado cada vez mais distante, ainda é difícil digerir sua despedida. As lágrimas dos torcedores (incluindo este que escreve o texto) se confundem com o orgulho de ter uma presença tão carismática intrincada à instituição. Kendall é não só uma lenda do Everton, mas também do futebol inglês: a repercussão de sua morte no último sábado foi o testemunho de uma carreira brilhante e de uma pessoa respeitada e querida por uma enorme comunidade.
RIP Howard Kendall the greatest EFC manager there's been. He gave me some of my best football memories especially in the 84/85 season.— Jamie Carragher (@Carra23) 17 de outubro de 2015
So privileged to have played for Everton's most successful manager. Absolutely devastated at this sad news RIP Boss @Everton— Kevin Sheedy (@kevin11sheedy) 17 de outubro de 2015
Very very sad news about Howard Kendall. total respect for him as a player manager and person. Fantastic character. Be sadly missed.A legend— Kenneth Dalglish (@kennethdalglish) 17 de outubro de 2015
Saddened to hear that Howard Kendall has passed away. Brilliantly managed the best club side I ever played for at Everton. Great bloke #RIP— Gary Lineker (@GaryLineker) 17 de outubro de 2015
OMG Howard Kendall RIP he was a lovely man.— Norman Whiteside (@NormanWhiteside) 17 de outubro de 2015
A great manager an even greater man— Neville Southall (@NevilleSouthall) 17 de outubro de 2015
What ever I did was solely down to him
Gentleman , friend, mentor
Will miss him
Gutted
Stoke City sends its condolences to the friends, family and all at @Everton following the passing of Howard Kendall #FootballFamily— Stoke City FC (@stokecity) 17 de outubro de 2015
Rovers are saddened to learn of the death of former player and manager Howard Kendall. http://t.co/peTiuMjBfR pic.twitter.com/NDecCSoxW7— Blackburn Rovers (@Rovers) 17 de outubro de 2015
Flag outside the Etihad Stadium at half mast today in tribute to former manager Howard Kendall. pic.twitter.com/si44yemjGV— Manchester City (@ManCity) 17 de outubro de 2015
Preston North End are saddened to learn of the passing of former player Howard Kendall. Our thoughts are with his family at this time.— Preston North End FC (@pnefc) 17 de outubro de 2015
The thoughts of everyone at Arsenal Football Club are with the family and friends of Howard Kendall.— Arsenal FC (@Arsenal) 17 de outubro de 2015
Um excelente jogador, subestimado por números de pouca expressão, e um técnico visionário e inovador, Howard Kendall é o Everton. Uma parte de todos nós se foi junto com ele, e com esse vazio teremos de seguir em frente.
Obrigado, Howard, e descanse em paz.
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