sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Howard Kendall - Jamais Será Um Adeus

Passados cinco dias, não houve significativa mudança de sentimentos no torcedor do Everton. No último sábado, o time foi atropelado em casa pelo Manchester United, mas isso pouco importa. Horas antes da partida, o clube já havia sido derrotado com o falecimento de Howard Kendall. Um nome que não só faz parte, mas define o que é o Everton.

Howard Kendall em seus tempos de jogador
Howard chegou ao clube em 1967, vindo do Preston North End, onde se tornou o jogador mais jovem a atuar em uma final da Copa da Inglaterra (West Ham v Preston, 1964), com 17 anos e 345 dias. O então defensor virou meio-campista com Harry Catterick e não demorou a escrever seu nome na história do clube de Merseyside: em seu primeiro derby, fez o gol da vitória; foi finalista da FA Cup em 1968; venceu o título da liga na temporada 1969-70 e formou um meio-campo antológico com Alan Ball e Colin Harvey, a famosa Holy Trinity, ou Sagrada Trindade.

A Sagrada Trindade do Everton: Colin Harvey, Alan Ball e Howard Kendall
Kendall deixou o clube em 1974, após ser vendido para o Birmingham. Após passagens por Stoke e Blackburn, já como jogador-treinador, retornou ao clube onde fez sucesso na mesma dupla função, em 1981; atuou somente em quatro partidas antes de se tornar técnico "integral". E o início de sua nova jornada no Everton não foi fácil: vivendo uma péssima temporada, no final de 1983, a pressão da torcida era enorme sobre Phillip Carter (presidente do clube na época) e Howard, com pedidos de demissão do último cada vez mais notórios. As coisas mudaram quando o time começou a avançar na FA Cup, fazendo com que o rendimento no time na liga também melhorasse. Ao final da temporada, o Everton "prestes a cair" terminou na sétima colocação da liga, sagrou-se campeão da FA Cup após 14 anos de jejum de títulos e foi finalista da Copa da Liga, perdendo o título para o rival Liverpool - o melhor time da Europa na época - após um "replay". Começava então um novo período na história do técnico e do clube.
Um panfleto pedindo as saídas de Howard e Phillip Carter, em 1983
Andy Gray marca AQUELE gol na final da FA Cup de 1984, contra o Watford
É necessário ressaltar o papel do rival nesta época. O Liverpool era uma máquina, literalmente: entre 1980 e 1984, só não venceu a liga na temporada 1980-81, temporada na qual venceu a Copa Europeia, assim como em 1983-84. Enquanto isso, os Toffees estavam em um período de vacas magras, com resultados medíocres e decepções após as glórias dos anos 60 e de 1970. Além de tudo isso, a cidade de Liverpool passava por um período de forte crise econômica, com alto índice de desemprego e êxodo populacional. Quando os dois clubes passaram a dividir o protagonismo do futebol inglês na época, também simbolizavam uma válvula de escape para o povo que representava; era o futebol quem trazia felicidade em um momento tão delicado na vida daquela comunidade.

Howard Kendall e Kenny Dalglish caminham à frente de seus jogadores na final da FA Cup de 1986
Se em 1983-84 os Reds ainda eram soberanos em relação aos Blues, na temporada seguinte o Everton deu o troco, terminando a liga com 13 pontos de diferença em relação ao rival, sagrando-se campeão nacional pela oitava vez. Sob o comando de Kendall, o clube também venceu a Recopa Europeia, seu único título europeu, na temporada 1984-85, derrotando o Rapid Vienna em um jogo marcante em Rotterdam, após outro duelo inesquecível com o Bayern de Munique nas semi-finais. A "tríplice coroa" não veio por pouco, com o Manchester United nos derrotando na prorrogação da final da FA Cup. Ironicamente, esta não foi a maior derrota do Everton naquela temporada: após o incidente de Heysel, envolvendo torcedores de Liverpool e Juventus, os clubes ingleses foram banidos de competições europeias por cinco anos, o que impediu os Toffees de disputarem a Copa Europeia com reais pretensões de título.
Howard com o troféu da Recopa Europeia, único título europeu do Everton

Kendall e Gary Lineker segurando o troféu de melhor jogador da temporada, recebido por Lineker em 1986

Heysel foi uma grande decepção para Howard. Em 1985-86, novas frustrações: mesmo com Gary Lineker, substituto de Andy Gray marcando 40 gols na temporada, os Toffees perderam a liga e a FA Cup para o Liverpool. Em 1986-87, voltamos a vencer o "Inglesão", com 9 pontos de diferença para os Reds, porém, mesmo com mais um sucesso, a insatisfação de Kendall por não poder competir contra equipes de outros países se sobrepôs aos anos de glórias com o clube de coração. Assim, o técnico decidiu se transferir para o Athletic Bilbao em 1987.

Após a passagem pelo clube basco, Howard voltou à Inglaterra em 1989 para o Manchester City, onde teve bom desempenho em um curto período. Inevitavelmente retornou ao Everton em 1990: "O Manchester City foi só um caso, com o Everton é um casamento", ele disse. Nesta segunda passagem como treinador, ficou até 1993, sem os resultados expressivos de outrora.  Retornou em 1997-98, com o clube já em crise, escapando do rebaixamento na última rodada; no ano seguinte, se aposentou após passagem ruim pelo futebol grego.

Howard Kendall e Roberto Martinez em 2013
As últimas passagens nunca fizeram diferença. Figura presente no Everton até o dia de sua morte, Howard Kendall foi quem mais seguiu o lema do clube à risca. Parte de duas das eras mais gloriosas do clube, em funções diferentes, responsável pelos últimos grandes momentos de um passado cada vez mais distante, ainda é difícil digerir sua despedida. As lágrimas dos torcedores (incluindo este que escreve o texto) se confundem com o orgulho de ter uma presença tão carismática intrincada à instituição. Kendall é não só uma lenda do Everton, mas também do futebol inglês: a repercussão de sua morte no último sábado foi o testemunho de uma carreira brilhante e de uma pessoa respeitada e querida por uma enorme comunidade.











Um excelente jogador, subestimado por números de pouca expressão, e um técnico visionário e inovador, Howard Kendall é o Everton. Uma parte de todos nós se foi junto com ele, e com esse vazio teremos de seguir em frente.

Obrigado, Howard, e descanse em paz.


Nenhum comentário:

Postar um comentário